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SE

se tivesse o poder
de mudar destinos
de salvar desesperados
de trazer alegria a toda tristeza
de saciar as fomes todas:
concretas e abstratas
corporais e almais

se tivesse o poder
de escutar,
de ser o ouvido do mundo,
de provar,
de ser o paladar do mundo
de olhar,
de ser os olhos do mundo,
de tocar,
de ser o tato do mundo,
de cheirar,
de ser o olfato do mundo

se o poder tivesse de acumular-me
de todas as experiências
sexuais
intelectuais,
corporais,
relacionais,
individuais,
de ser todos e tudo
multitudinais:
paralelas e meridianos
imaginários
da terra
de todos:
totais

de ser pai, de ser mãe, de ser filho,
de ser filha, de ser neto, neta,
esposo, esposa, amante, bastardo,
puta, heterohomossexual,
índio, negro, amarelo, mestiço, branco
incompletamente completo, e vice-versa
imperfeitamente perfeito, e vice-versa,
erradamente certo, e vice-versa.
de iludir e ser iludido,
de seduzir e ser seduzido
de ser bom
se tivesse o poder
de morrer e de não morrer

de morrer
quando as minhas muitas vidas
de trepar, de abraçar, de falar, de amar
não mais viverem a intensidade
das possibilidades vitais
dessas e de outras potencialidades.

e de não morrer,
quando
amar, falar, abraçar, trepar,
isso que é ficar e viajar
isso que é sonhar e conquistar
isso que é acordar e dormitar
isso que é cantar e tocar
isso que é pecar e sagrar
quando o mínimo e o máximo
o visível e o invisível
o inconsciente e o consciente
quando tudo for nascimento
novo, novíssimo,
sem deixar de ser velhíssimo.

se fosse todos os poderes
e todas as impotências
já não seria nada,
porque não sou,
não fui,
não serei,
senão como
sendo e não sendo
tendo e não tendo,
indo e não indo
vivendo e não vivendo

senão como esses tus e eles todos
em mim
senão como esses eus todos
nestes e neles
senão como
nós de nós

pescador e pescado:
redes
de água,
terra
ar
fogo
sem regra
sem exceção
sim e não
tesões
nas justiças
das soluções
nos corações
dos senões

Comentários

Renata Bomfim disse…
Olá Luis, belo poema. Dialoga com um poeminha que escrevi chamado Jornada. Esses muitos que somos, que nos instriga e estimula poeticamente, foi desdobrado por você de maneira belissima, quando fala dos tus existentes em nós e dos e nós, nós de nós.
Uma "suruba" entre identidades, como você sempre diz "em troca constante", vulneráveis umas as outras, se experienciando.
abração
re
SE /|_|\ ES

Taí: leveza, flexibilidade, potencial, de mimetizar os desejos que precederam o pacto cramulhânico de Riobaldo, cismado que virara viado, por se apaixorar por Diadorim, guerreiro belo e brabo.

Mas outros "ses" noutras veredas, campeando essa usina de desejo do sujeito poético: texturas, cores, formas materializadas pelas mais diversas metáforas.

Mas é um sujeito que se trai, ambíguo. Que reponderia ele diante disto?: "tudo isto te darei, se, de quatro se puseres, e me satisfizeres"?

Também é um sujeito sem qualidades, à moda dos personagens de Robert Musil (Paizinho não agüentou lê-lo), posto que tem apenas atributos pláticos. Entre tais, acha-se o autruímos (1ª estrofe); o egoísmo (2ª e 3ª estrofes); e o hedonismo pan-erótico, (as demais estrofes).

Enfim, parece-me um belo poema movendo-se na reta de colisão com o "eu" na lógica da hipotaxe condicional: "Se,... Por que não?"

Ou, quem sabe, sede canibais de si mesmos, antes que a terra os coma...O poema autorizaria tal leitura???

Valeu, Louis!!! Vc não me surpreende, porque não espero menos de sua inteligência, simpatia, cultura (beleza, não direi, isso lé é coisa pra paizinho de ibiraçu; vamos chamar aqui de bela estampa), competência e generosidade.
Priscila Lopes disse…
"Cacete. Mandou muito bem!", diria eu ao vivo.

Mas como tenho de escrever, e da escrita zelo sempre, lhe digo apenas: genial - de uma escrita que embala e conduz.

Apareça no Cinco Espinhos e conheça a nossa proposta.

Abraços!
Milady disse…
E se...

hmmm esqueci....

Mas sabe? e se....

ah, deixa pra lá...

;-) beijos
Dauri Batisti disse…
Vou voltar depois pra ler novamente. Quero ver se pego a mesma onda - ou parecida - que te levou na hora que escreveste este poema.

tudo de bom.
Célia de Lima disse…
Olá, Luis, achei muito belo e interessante o seu poema. Falou-me do vir a ser, de caminho contínuo.. mesmo com toda a intensidade que se vivencie cada experiência, e tb devido a ela. Gostei muito de te ler. Beijos de boa noite, poeta, bom descanso.
Nidesca disse…
creo que todos tenemos la posibilidad de ser un poco de todo, creo que Dios se experimenta a través de nosotros y que mientras más intensa es nuestra vida más intenso es también su regocijo.

abrazos
layla lauar disse…
E se eu tivesse o poder de escolher um dom, escolheria o dom de saber escrever tão bonito quanto vocÊ. Muito belo seu poema. Beijos
Anônimo disse…
epico, poderoso, másculo, sincero...
aplausos!
Jana disse…
Infelizmente ninguem tem o poder dos nossos "ses", mas podemos sempre fazer o melhor possível.

beijo
Salsa disse…
É uma vertigem barroca. Espiral e tanto. Valeu a visita ao meu jazzigo. Valeu mais aqui ter vindo.
São disse…
Seu poema me f3z lembrar dois gandes nomes de intelectuais portuguses : José Régio e Aty dos Santos.
O primeiro poderia ter escrito este seu magnífico poema e segundo dizê-lo de extraordinária forma!
Saudações!
Saudações, meu caro!

Passei por aqui...
Gostei do Blog...

Abraços pernambucanbaianos...

Germano.
www.clubedecarteado.blogspot.com
Un abrazo grande para tí, tu pais Brasil es lo máximo!!!!!Y gracias por tu visita a mi galería.
paty
i disse…
Luis, só agora vi sua epígrafe. Devo dizer que é uma escolha de muito bom gosto!

Abraço,
Diego
São disse…
Vim relê-lo!
Fique muito bem!
gaivota disse…
se, se, se
já r kipling dizia
if you can keep you head when all about you are losing theirs and blaming it on you...
o que um SE pode fazer...
poema lindo!
beijinho
Vander Macedo disse…
Olá Luis!

Ainda continuo impressionado com a musicalidade dos seus versos, mas está longe de ser só isso, você consegue reunir um monte de elementos sem perder o ritmo, como aqueles dançarinos que fazem uma dezena de passos em alguns segundos passando a impressão ao leigos de que faziam um só, lendo o poema "SE" me veio a mente um monte de coisas - isto é sensacional se considerarmos que a boa literatura é aquela que coloca nossos neurônios em movimento - como o "Tabacaria" de Pessoa - para mim o melhor poema já escrito - que ele coloca um monte de pensamentos geniais em sequência com uma naturalidade inacreditável, ou um comentário de Proust sobre a característica dos escritores originais que apesar de muitas vezes usarem expedientes comuns, colocam entre eles algo verdadeiramente surpreendente que nos fazem perder o folêgo, e você é meio assim também, na parte que você diz corporais e ALMAIS eu fui pego de surpresa e demorei um tempo para decantar em minha cabeça agitada o termo almais.
Outro fato digno de nota é que você escreveu, pelo menos assim se pressume, três poemas muito bons em um intervalo de tempo muito curto.
Enfim, o seu blog já foi adicionado ao favoritos do meu navegador.
Abraços

Luciano DiiDrick
Jacinta Dantas disse…
Leio seu poema, mais uma vez, e deixo a imaginação à vontade, para sentir:
se eu mergulhar no seu universo de criação;
se eu escutar seus versos;
se eu voar por entre suas letras...
meu caro, são tantas as possibilidade. Gostei muito.
Um abraço
Jacinta
É como se eu ainda não quisesse ser tudo e ser o tudo, nada da gente, nadar no outro o nado e o nada, pra ser assim, sem jeito, ajeitado e com vida e sem. Querer querendo um não querer pra viver, de modo mais mortal...

Um grande abraço, companheiro das letras...

Sempre comparecendo...

Apareça!

Germano
www.clubedecarteado.blogspot.com
Luma Rosa disse…
Nossa! Não precisa ser tanto, basta ser você! Já acho muito! (rs*) Gostei demais do que li! Beijus
Raquel disse…
Sempre é possível fazer um pouco desse "se"!!
Adorei o poema!
Beijos
http://sex-appeal.zip.net
http://cara-nova.zip.net
Gabriela Galvão disse…
Luis d Extensões...

Ler e entender td q c diz...: eu ainda chego lah


Abraço
Joice Worm disse…
Este poder existe. É preciso concentração. Aquela tal dos 98% que o "Homem" tinha e fazia milagres... Mesmo assim, tudo isto que você pede em seu poema, Ele também não conseguiu.
Concluindo e analisando... É um desejo quase impossível. Eu disse "quase", Luís.

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