Pular para o conteúdo principal
“À entrada da aldeia, segundo diz Cide Mamete, viu Dom Quixote que nas eiras do lugar estavam brigando dois meninos, e um disse ao outro:
 Não te canses, Periquito, porque não a hás de ver em todos os dias de tua vida.
Ouviu Dom Quixote, e observou a Sancho:
- Não notaste, amigo, o que aquele menino disse: “Não a hás de ver em todos os dias de tua vida”?
- Pois bem – ponderou Sancho. -- Que importa que o haja dito esse menino?
- Quê? – replicou Dom Quixote. – Não vês tu que, aplicando aquela palavra à minha intenção, quer significar que não verei mais Dulcinéia?”. Miguel de Cervantes, Dom Quixote

os olhos

os olhos nunca olham o que vêem, apenas retêm o desejo do que não podem apreender, entre si-vendo e o visto-olhado, perscrutam o impossível do distante tornado mais que perto, tornado o olhando, o que vê, como se quisesse uma integração entre sujeito e objeto, como se quisesse tornar-se todo corpo, todo matéria. a cegueira dos olhos não reside no que não podem ver, quando não podem ver, porque cegos, ou quando não podem ver, porque só podem recortar um estrato do visível, mas a cegueira dos olhos, na verdade, é a de um paradoxo que a própria cegueira inscreve, posto que o cego, ao não enxergar, realiza uma estranha sinestesia, a de enxergar com o corpo todo, a de fazer do mundo uma massa disforme e escura, a de tropeçar em tudo, confundir-se com tudo, porque tudo demonstra, na cegueira, que o movimento, o ir e vir dos corpos, está condicionado por outros corpos, e então o que quereríamos enxergando encontra sua outra metade absurda não enxergando, pois, se enxergando enxergamos o impossível de o agente da ação ser também o paciente, de sermos todo olhos olhando e ao mesmo tempo todo olhos olhado, não enxergando somos o olhado não olhando, somos o passivo sem o ativo, um outro lugar do mesmo. por isso a cegueira é uma sublime forma de enxergar, pois nos faz ver, ou pelo menos nos faculta ( para quem tem olhos pra olhar ) que não podemos ver o que vemos, pois, ao vermos, quando enxergamos, não vemos nem a nós, nem o visto, vemos um desvio, um não, um não de nós no não do visto. o que os olhos querem, e não podem, é morrer-vivo ou vivo-morrer, o gozo de enxergar, ser agente, ser indivíduo, estando integrado, mergulhado, afundado, engolido, pela terra do cosmo, como se estivéssemos enterrados, inertes, misturados com a indistinção orgânica da terra sobre, sob, através da terra, e ao mesmo tempo voltássemos, sem separação alguma, a ser um a parte, uma consciência só, sem de modo algum estar só, uma consciência só, uma pessoa, um nome próprio, mas sem a angústia de não ser, ser o impróprio: o todo indistinto só vendo sem ser só o todo indistinto ou só o só distinto. os olhos querem casar com o visto estando solteiros para todos os outros a-ver prováveis e improváveis. o que os olhos querem mesmo é gozar o abraço na intensidade de um descolamento, em que a morte é a suprema vida e a vida é a suprema morte. o que os olhos querem é não querer, apenas, mas querer querido, é não ser, tão-somente, os olhos que vêem, que têm a função de ver, mas olhos a olhar através de todos os pontos possíveis e impossíveis, sendo o invisível vendo e o vendo olhando olhado ou o visível olhando e o invisível olhado, ou o olhado olhando ou o visível invisível olhando olhado, ou, simplesmente, todas as combinações constelares dos jogos de vi-ver.

Comentários

olhar. mar imenso é o olhar. oceano tão grande e tão. olhar, amar demais e a cegueira construída. ?. ou não. ou exclamação. olhar, apenas...

um abraço, professor.
Ana Maria disse…
Adoro esse jogo de palavras.
É minha cara.
Gosto de criar poesias e formular textos brincando com as palavras.
Amigo, ficou maravilhoso o texto.
Beijinhos mel!
Gostei tanto, que coloquei seu blog na lista dos amigos que visito.
Portanto estou aqui.
Te espero, tem blog novo, o quarto.
Ilaine disse…
Luis!

"...mas a cegueira dos olhos, na verdade, é a de um paradoxo que a própria cegueira inscreve..."

Texto formidável!

Bj
- De dentro do meu centro o texto me olha: o que não verei mais em tantas combinações nos jogos de vi-ver?!

;^)
lula eurico disse…
um olhar esférico, que gira, vertovianamente, feito a câmara na mão do glauber...um olhar que enxerga o outro lado da laranja, aquele que não se vê, mas que, de algum modo, sempre vemos:
Deus, diz Ortega y Gasset, é o outro lado da laranja.
Abraço fraterno, ó poeta da voz incendiária!
Raquel disse…
Que post lindo!
Não quero sofrer de nenhuma cegueira!!
Beijos
http://sex-appeal.zip.net

Postagens mais visitadas deste blog

dinheiro antes era pão e circo e o cacete como pão que bate na arte de matar, cão que late, no bode expiatório, a guilhotina no pescoço da soberana plebeica praça hoje é urânio empobrecido fósforo branco e círculo midiático onde tudo é arte que arde, ardil funil fuzil de ícones de artilharias nas edições de armas satelitais contra a praça súdita garras amarras virtuais na Terra carcerária, pois agora a ágora é o planeta campo de concentração planeta palestina, território sem povo e povo sem território, onde bomba é tudo, em tempo irreal, supõe-se, supositório de lunáticas radioativas partículas de envoltórios zumbíticos vivos incendiados incendiários, planeta guilhotinado, enforcado,desmembrado, sacrificiado nos vários seres mortuários, viciados, por plutônicas ontológicas cosmológicas inspeções galácticas de drones drops fotoativos, putativos, objetos mostruários no dentifrício no corpo cabeça sexo estomagado esmagado emparedado avacalhado suicid
no outro lado do front vi a refração das alfabetizadas ciências deus meu vi o engenho e a arte longe dos barões bufônicos das prosódias divinizadas das seis entidades orquestradas como mísseis de calar dos modernos tempos antigos vi o inglês, o alemão, o francês, o italiano, o espanhol, o português vi ideologia humanista nas seis pirâmides escriturais nas bocas dos sacerdotes dos monastérios os latins ministeriais das sagradas letras dos poemas nos boquetes dos iniciados em palácios de elmos lambendo as glandes das poses das correções ortográficas engolindo as porras das sintaxes na ordem das concordâncias nominais engravidados pela garganta profunda dos espectros verbais vi o monumento à barbárie dos hexagramas das teogonias ocidentais vi a bíblia das traduções imperiais na patrística das metafísicas nas pontas do ceu da boca nas palavras dos seres angelicais vi no outro lado do front as girias dos analfabetos poemando os cristais nos banhos ilimitados dos mananciais despoluindo-se da

LUTO

o mundo observa as Reich telas de televisão computação sensação estilização rostificação enquanto Israel se torna cada vez mais o principal anti-semita de si de nós mesmos infernizando irradiando dizimando atomicamente o judaico povo atual: o palestino, tão ao vau como o hebraico povo haitiano somaliano líbio sírio pois todo povo sendo diferente, é igual no laboratório da holocáustica Faixa de Gaza A câmara de gás Do faraó sionismo Impõe o milenar êxodo aos judeus palestinos Sob a proteção do nazismo Europeu Estadunidense Oligárquico Enquanto observamos as telas da enganação danação violação manipulação reificação O Hitler Benjamin Netanyahu Mandará matar esta menina Palestina-antes-judaica Yasmin, 6 anos vejam de fora do seu soss-ego pois já mandou matar olhem (de dentro da outrora homo sacer abandonada escravizada hebraica vida nua) sua mãe, Yolanda, calcinada assassinada por fósforo branco olhem lançado