amig@s, meu romance " O Evangelho Segundo Satanás" acaba de sair, pela editora El Perro y la Rana, na Venezuela, em espanhol, com o título de "El Evangelio Según Satanás".
Por isso mesmo, publicarei uns três ou quatro tópicos da narrativa, em sequência, a fim de colher a importante leitura crítica de vocês tod@s.
Comecemos:
1
Nestas satânicas letras, de corpos, de seres, de afetos, pomares abertos de frutas maduras, um mistério de signos metamórficos nos perderá de nos achar, num vice-versa de sedução, no redemoinho do qual o nascimento de uma cabeleira de pecados, num mito de ritos, transformará a solitária Medusa, com a sua visão de pedra, numa musa de palavras tagarelas: esta escrita, rabisco de mediações especulares, de olhos, de vozes, de toques, através das quais gélidas estátuas – amedrontadas metáforas fabulares de homens que se perdem, quando seduzidos – vão incorporando a feminina força fatal de infernais céus e de celestiais infernos relacionais, de rebeldes legiões, de profanas religiões e de sagradas ligações, nessa narrativa lúdica de paixões, no decorrer da qual não encontrará nada, curioso leitor, além de errantes contradições, estas das dicções das multidões, longe de imposições, perto dos corações.
Como sempre no nunca e nunca no sempre, verá que ecos de sim se propagarão tanto, assim muito mesmo, que os ilustrados, sensatos e inteligentes argumentos a favor do não - a tudo que parece impossível – simplesmente passarão a soar como, eles sim, como utopias negativas, moralismos realistas, ridículos e risíveis; loucuras do hábito e da normalidade; cansaços institucionais, desistências; simulações de inúteis símbolos.
Nos espaços destes humanos, demasiadamente humanos, formigueiros de sílabas, na abrupta vulnerabilidade dessa milenar ex-tradição humana e não humana de seqüestrados e inviabilizados, há mais tempo passado que pode haver de tempo passado, que de tão passado, já era futuro e já era presente, e já não era tempo algum, esquecido de tempos, posto que cheio de tempos idos, indo, e a ir, em todos os lugares temporais deste planeta conhecidamente desconhecido, lá, aqui e ali, existirá uma menina cujos cabelos crescerão a cada segundo, a cada milésimo de segundo, o tempo todo, de tal maneira que os olhos das pessoas, e dela também, poderão ver, os cabelos de Joana – é este o seu nome – crescerem, crescerem, crescerem, alcançando o impossível de outras dimensões, pois, além de crescerem como é o previsível, os cabelos da menina cresciam também, de algum modo invisível, pra dentro, crescendo, crescendo, crescendo, no mesmo ritmo que cresciam pra fora.
Quando alguém pegasse na ponta de alguns fios de seu cabelo, já no momento mesmo que prendesse entre os dedos a ponta deles, e levantasse os fios horizontalmente, então, entre o milésimo de segundo de pegar os fios e de levantá-los, as pontas deles já não estavam mais entre os dedos da pessoa, pois já tinham crescido, crescido, e continuavam a crescer, sem parar, como um rio que corre, pra dentro e pra fora, de tal modo que cortar a exterioridade dos fios de cabelo, diminuí-los, controlá-los, apenas aparentemente seria possível, porque, sem que possamos ver, conforme está dito, os fios invisivelmente continuam a crescer, pra dentro, diabolicamente, expandindo fronteiras, acumulando-se de dejetos, de lixos, de depósitos, de aluviões de caspas, húmus, umidades, ciscos, poeiras, misturando a tudo, formando outros modos de ser invisíveis fios, insubmissos, inconscientes de suas pulsões púbicas, nas praças públicas de fios entrançados em fios, formando acumulações de gerúndios, a multiplicar lençóis freáticos, irrupções de cachoeiras, no burburinho volumoso de fios internos e externos.
Assim crescendo, os cabelos de Joana se lançarão na borda das irradiações multicoloridas, formando novas cores, matizes de toda sorte, por isso os tempos verbais não sossegarão, aqui, ora sendo presente, ora sendo passado, ora sendo futuro, porque esta estória pretende brincar, satanicamente, com os limites e com as fronteiras, seja se perdendo num mais adiante de toda frente, seja se esquecendo num mais atrás de quaisquer costas, podendo ser um mais na frente e um mais atrás, como um mais pra dentro e um mais pra fora cabeludos, nessas explosões implosivas, repleta de presentes.
Mudando de tempos e de espaços, perceberemos que os cabelos da menina, além de multicoloridos, são milagreiros, e que, para cada fenômeno de ser e de estar, no mundo, sempre existiram, existem e existirão matizes e tons espectrais, em desconcerto, orquestrando novos atos nascentes, de singularidades de batuques presentemente ancestrais.
Seus cabelos, porque milagreiros, agitarão consistências de estar, partindo da dupla condição de serem crespos e de serem lisos, investindo a favor de todas as variações que podem existir entre o liso e o crespo, cabelos muito lisos, o mais que se pode ser, pois de tão lisos quase pareciam água de cabelo, ou mesmo quase pareciam ar, ar de cabelo, ou cabelo em estado gasoso, em cada fio muito liso, como se não fossem fios de cabelos, mas fios de ar ou fios de água, ou infinitesimais fios de fios, ou de uma outra coisa qualquer muito leve, muito lisa, o mais que é possível, ou impossível existir.
E disse impossível, porque também os fios muito lisos de seus cabelos, a cada instante, inventavam novos fios mais finos, de tal maneira que, pra vê-los, era preciso enxergá-los com lente de aumento, num momento, e, depois, com microscópio. E quanto mais potente fosse o microscópio, mais se descobriam novos fios de cabelo em Joana, como descobrimos mais novos planetas e estrelas no céu, ou menores, invisíveis criaturas, ou partículas de matéria, na terra.
Por outro mesmo lado, determinados fios de cabelo de Joana podiam ser tão crespos, tão crespos, que se enrolavam entre si tanto, que mais pareciam raízes dentro de raízes, com as linhas rizomáticas intrincavelmente misturadas entre si, ou quase uma cebola de fios de cabelos, com suas partes dentro de suas partes, ou ainda como enroladíssimas nuvens dentro de nuvens, que a cada momento, como as nuvens, adquiriam novas formas, novos modos de ser crespo, como nenhum outro cabelo crespo do mundo, ou como quase todos, ou como todos, simplesmente: tempestades e trovões de cabelos insurgentes, em suas igualdades e disponibilidades de presenças, cabeludamente varrendo o rés-do-chão dos poros das respirações.
Por serem muito, muito crespos, alguns fios de seus cabelos eram muito pesados, e cada vez mais ficavam mais pesados, em velocidade inacreditável, chegando ao ponto de versões cada vez mais inverossímeis serem criadas por aplicados estudiosos, como as que produzem big-banguescas teorias de radiação de fundos, alegando o que chamam de locusdiversidade fiante a remontar ao começo do universo, em que uma matéria muito pequena tinha, em si, todo o peso dos mundos, porque continha tudo que é possível ser matéria, em qualquer lugar do cosmo, pluriconcentrada.
Mas, então, como Joana faz pra ficar de pé, com tanto peso na cabeça?
Simples: da mesma forma que Joana tinha fios de cabelo muito pesados, porque muito densos, que cada vez mais ficavam mais pesados e mais densos, ela também tinha fios muito leves, que cada vez mais ficavam mais leves, e mais leves que se possa imaginar, de tal maneira que os fios muito leves, como uma balança, criavam uma relação de equilíbrio com os fios muito pesados, e o muito leve compensava o muito pesado, ficando, na sua cabeça, cabelos que não eram nem leves e nem pesados, embora seja dito, incrédulo leitor machadiano, que a balança da justiça, entre o pesado e o leve, bem mais que equilibrar forças, neutralizá-las, exala o pesado do leve e o leve do pesado, assim como o dentro do fora e o fora do dentro; o visível do invisível e este daquele.
É dessa forma então que Joana podia ficar de pé, sem problemas, e andar, e correr, pra todo lado, sem medo de cair, de ser amassada, como se um elefante tivesse pisado sobre ela, de repente; ou mesmo sem medo de voar, em função da leveza etérea e aérea de alguns outros fios de cabelo, contrariando as gravidades, engravidando absurdos de nascimentos primeiros, segundos, terceiros, sem rumo, por aí, mas essenciais em suas fragilidades, volubilidades, instabilidades, plasticidades, mutabilidades de fios pesadamente leves, pois suas levezas os tornarão viscerais e suas concentrações pesadas os tornarão etéreos, sem pátria, soltos pelo mundo, como um corpo sendo alma e como uma alma sendo corpo, singulares e comuns, um texto dentro de outro texto, um hipertexto, cheio de pretextos e de contextos.
Algures de aqui: lá e ali e acolá.
Por isso mesmo, publicarei uns três ou quatro tópicos da narrativa, em sequência, a fim de colher a importante leitura crítica de vocês tod@s.
Comecemos:
1
Nestas satânicas letras, de corpos, de seres, de afetos, pomares abertos de frutas maduras, um mistério de signos metamórficos nos perderá de nos achar, num vice-versa de sedução, no redemoinho do qual o nascimento de uma cabeleira de pecados, num mito de ritos, transformará a solitária Medusa, com a sua visão de pedra, numa musa de palavras tagarelas: esta escrita, rabisco de mediações especulares, de olhos, de vozes, de toques, através das quais gélidas estátuas – amedrontadas metáforas fabulares de homens que se perdem, quando seduzidos – vão incorporando a feminina força fatal de infernais céus e de celestiais infernos relacionais, de rebeldes legiões, de profanas religiões e de sagradas ligações, nessa narrativa lúdica de paixões, no decorrer da qual não encontrará nada, curioso leitor, além de errantes contradições, estas das dicções das multidões, longe de imposições, perto dos corações.
Como sempre no nunca e nunca no sempre, verá que ecos de sim se propagarão tanto, assim muito mesmo, que os ilustrados, sensatos e inteligentes argumentos a favor do não - a tudo que parece impossível – simplesmente passarão a soar como, eles sim, como utopias negativas, moralismos realistas, ridículos e risíveis; loucuras do hábito e da normalidade; cansaços institucionais, desistências; simulações de inúteis símbolos.
Nos espaços destes humanos, demasiadamente humanos, formigueiros de sílabas, na abrupta vulnerabilidade dessa milenar ex-tradição humana e não humana de seqüestrados e inviabilizados, há mais tempo passado que pode haver de tempo passado, que de tão passado, já era futuro e já era presente, e já não era tempo algum, esquecido de tempos, posto que cheio de tempos idos, indo, e a ir, em todos os lugares temporais deste planeta conhecidamente desconhecido, lá, aqui e ali, existirá uma menina cujos cabelos crescerão a cada segundo, a cada milésimo de segundo, o tempo todo, de tal maneira que os olhos das pessoas, e dela também, poderão ver, os cabelos de Joana – é este o seu nome – crescerem, crescerem, crescerem, alcançando o impossível de outras dimensões, pois, além de crescerem como é o previsível, os cabelos da menina cresciam também, de algum modo invisível, pra dentro, crescendo, crescendo, crescendo, no mesmo ritmo que cresciam pra fora.
Quando alguém pegasse na ponta de alguns fios de seu cabelo, já no momento mesmo que prendesse entre os dedos a ponta deles, e levantasse os fios horizontalmente, então, entre o milésimo de segundo de pegar os fios e de levantá-los, as pontas deles já não estavam mais entre os dedos da pessoa, pois já tinham crescido, crescido, e continuavam a crescer, sem parar, como um rio que corre, pra dentro e pra fora, de tal modo que cortar a exterioridade dos fios de cabelo, diminuí-los, controlá-los, apenas aparentemente seria possível, porque, sem que possamos ver, conforme está dito, os fios invisivelmente continuam a crescer, pra dentro, diabolicamente, expandindo fronteiras, acumulando-se de dejetos, de lixos, de depósitos, de aluviões de caspas, húmus, umidades, ciscos, poeiras, misturando a tudo, formando outros modos de ser invisíveis fios, insubmissos, inconscientes de suas pulsões púbicas, nas praças públicas de fios entrançados em fios, formando acumulações de gerúndios, a multiplicar lençóis freáticos, irrupções de cachoeiras, no burburinho volumoso de fios internos e externos.
Assim crescendo, os cabelos de Joana se lançarão na borda das irradiações multicoloridas, formando novas cores, matizes de toda sorte, por isso os tempos verbais não sossegarão, aqui, ora sendo presente, ora sendo passado, ora sendo futuro, porque esta estória pretende brincar, satanicamente, com os limites e com as fronteiras, seja se perdendo num mais adiante de toda frente, seja se esquecendo num mais atrás de quaisquer costas, podendo ser um mais na frente e um mais atrás, como um mais pra dentro e um mais pra fora cabeludos, nessas explosões implosivas, repleta de presentes.
Mudando de tempos e de espaços, perceberemos que os cabelos da menina, além de multicoloridos, são milagreiros, e que, para cada fenômeno de ser e de estar, no mundo, sempre existiram, existem e existirão matizes e tons espectrais, em desconcerto, orquestrando novos atos nascentes, de singularidades de batuques presentemente ancestrais.
Seus cabelos, porque milagreiros, agitarão consistências de estar, partindo da dupla condição de serem crespos e de serem lisos, investindo a favor de todas as variações que podem existir entre o liso e o crespo, cabelos muito lisos, o mais que se pode ser, pois de tão lisos quase pareciam água de cabelo, ou mesmo quase pareciam ar, ar de cabelo, ou cabelo em estado gasoso, em cada fio muito liso, como se não fossem fios de cabelos, mas fios de ar ou fios de água, ou infinitesimais fios de fios, ou de uma outra coisa qualquer muito leve, muito lisa, o mais que é possível, ou impossível existir.
E disse impossível, porque também os fios muito lisos de seus cabelos, a cada instante, inventavam novos fios mais finos, de tal maneira que, pra vê-los, era preciso enxergá-los com lente de aumento, num momento, e, depois, com microscópio. E quanto mais potente fosse o microscópio, mais se descobriam novos fios de cabelo em Joana, como descobrimos mais novos planetas e estrelas no céu, ou menores, invisíveis criaturas, ou partículas de matéria, na terra.
Por outro mesmo lado, determinados fios de cabelo de Joana podiam ser tão crespos, tão crespos, que se enrolavam entre si tanto, que mais pareciam raízes dentro de raízes, com as linhas rizomáticas intrincavelmente misturadas entre si, ou quase uma cebola de fios de cabelos, com suas partes dentro de suas partes, ou ainda como enroladíssimas nuvens dentro de nuvens, que a cada momento, como as nuvens, adquiriam novas formas, novos modos de ser crespo, como nenhum outro cabelo crespo do mundo, ou como quase todos, ou como todos, simplesmente: tempestades e trovões de cabelos insurgentes, em suas igualdades e disponibilidades de presenças, cabeludamente varrendo o rés-do-chão dos poros das respirações.
Por serem muito, muito crespos, alguns fios de seus cabelos eram muito pesados, e cada vez mais ficavam mais pesados, em velocidade inacreditável, chegando ao ponto de versões cada vez mais inverossímeis serem criadas por aplicados estudiosos, como as que produzem big-banguescas teorias de radiação de fundos, alegando o que chamam de locusdiversidade fiante a remontar ao começo do universo, em que uma matéria muito pequena tinha, em si, todo o peso dos mundos, porque continha tudo que é possível ser matéria, em qualquer lugar do cosmo, pluriconcentrada.
Mas, então, como Joana faz pra ficar de pé, com tanto peso na cabeça?
Simples: da mesma forma que Joana tinha fios de cabelo muito pesados, porque muito densos, que cada vez mais ficavam mais pesados e mais densos, ela também tinha fios muito leves, que cada vez mais ficavam mais leves, e mais leves que se possa imaginar, de tal maneira que os fios muito leves, como uma balança, criavam uma relação de equilíbrio com os fios muito pesados, e o muito leve compensava o muito pesado, ficando, na sua cabeça, cabelos que não eram nem leves e nem pesados, embora seja dito, incrédulo leitor machadiano, que a balança da justiça, entre o pesado e o leve, bem mais que equilibrar forças, neutralizá-las, exala o pesado do leve e o leve do pesado, assim como o dentro do fora e o fora do dentro; o visível do invisível e este daquele.
É dessa forma então que Joana podia ficar de pé, sem problemas, e andar, e correr, pra todo lado, sem medo de cair, de ser amassada, como se um elefante tivesse pisado sobre ela, de repente; ou mesmo sem medo de voar, em função da leveza etérea e aérea de alguns outros fios de cabelo, contrariando as gravidades, engravidando absurdos de nascimentos primeiros, segundos, terceiros, sem rumo, por aí, mas essenciais em suas fragilidades, volubilidades, instabilidades, plasticidades, mutabilidades de fios pesadamente leves, pois suas levezas os tornarão viscerais e suas concentrações pesadas os tornarão etéreos, sem pátria, soltos pelo mundo, como um corpo sendo alma e como uma alma sendo corpo, singulares e comuns, um texto dentro de outro texto, um hipertexto, cheio de pretextos e de contextos.
Algures de aqui: lá e ali e acolá.
Comentários
Um abraço.
Essa é a grande sacada, o livre-arbítrio, a liberdade de expressão... a semeadura livre. Mas há a colheita, ah, a colheita é ecossocialista.
Abraço fraterno.
Fico realmente feliz. Porque é um livro e tanto.
Parabéns, querido.
e em português, quando sai?
abraço.
Abraço.
que alegria saber que o livro finalmente saiu!!! Você merece mais esta conquista!!!!
O texto é inquietante como toda a tua escrita...
Parabéns!!!!!
OLha, tô Saudades de vc rapaz...
Abraço amigo
Renata