Pular para o conteúdo principal

ódio aos indiferentes

a Antonio Gramsci

odeio os indiferentes
odeio antes de tudo os indiferentes
indiferentemente
na minha mente,
e na demente,
normópata cara do cotidiano,
a que chamamos de normalmente,
esta cara, invisível de tão visível,
surda de tão absurda,
em que nossa tara,
circulando,
andando,
apresentando
conversando,
pra viver e trabalhar,
perder e amar,
esquecer e lembrar,
ser e estar,
em que a nossa vara
nunca encara,
cara a cara,
que, nele, no indiferente dia a dia,
tudo tem que se ajustar
tudo tem que se adaptar
que tudo é nada
e que nada é tudo,
que, nele, no dia a dia indiferente,
você tem que ser igualmente diferente,
ou diferente igualmente,
não importa,
porque, a partir dele, do cotidiano aparente,
você deve, simplesmente,
com sua diferença indiferente,
você deve simplesmente,
ainda que incoerentemente,
entrelaçar sua sentença de ser gente,
ainda que singularmente,
com a sentença de ser,
eis a regra ocultamente evidente,
com a sentença de ser impotente
e, assim, indiferente às diferenças,
a partir dele, do cotidiano demente,
você, indiferentemente, não sente,
que é verdade o que mente,
que é doente quem é diferente,
ainda que seja qualquer ente,
e é por isso que você,
ou o nó de nós,
sendo indiferente,
indiferentemente atua,
e devora e embola, nunca indiferentemente,
- porque se arvora como fatalidade,
a minha vida e a tua,
e indiferente à sua, na dor, desova,
as ogivas radiotivas de dizer nem
sim e nem não,
ainda que diga sim ou não,
a tudo que tumultua
o pesadelo deste modelo de novelo,
do cotidiano repelente,
a tudo que é menos-valia,
no dia-a-dia,
de vulnerabilidade,
de fragilidade,
de felicidade,
na menos-valia de qualquer um,
sem medo, sem ódio e sem inveja,
esta mesma menos-valia,
a que amo por ser garra de puma
a que amo por ser a de qualquer uma,
a garra de puma de qualquer turma,
que pode ser pluma
que pode ser a que apruma,
uma vontade a um sonho de liberdade
uma coragem a uma voragem
de uma multidão em viagem,
pra dentro do fora, em desforra,
do cotidiano, agora sim, imagem
de outras paragens, de outras roupagens,
agora sim, nuvens de miragens,
dentro do fora,
agora sim,
do quartel e do papel,
nuvens de pilhagens,
a dizer sim ao não
ao palestino,
ao iraquiano,
ao africano,
ou a qualquer outro,
por exemplo,
uma americana
ou americano
a dizer não
ao sim pra todos que estão perigando
e, mesmo que calados, estão gritando,
e, mesmo que murados, empurrados,
ainda que empurrando,
estão outras cotas de anos,
outros cotidianos, desejando,
e é por isso que amo os que dizem
sim aos que estão errando, aos
que estão lutando, aos que estão
sonhando, delirando, em desencontros,
encontrando,
e amo os que do adverso
fazem o verso do reverso e do inverso,
nunca os dos versados, sempre os do versando,
nunca os dos legitimados, sempre os do ilegitimando,
nunca os do sacomodados, sempre os dos incomodando,
e por isso dizem não às verdades das formalidades,
porque sabem que tudo, o certo e o errado,
o diferente e o indiferente,
que tudo é esboço e que tudo é esboço de tudo,
porque sabem que o importante é o bolso que ouço
no tilintar de moedas do alvoroço
de coletivos almoços,
e é por isso que odeio os indiferentes,
velhos ou moços,
porque diante de todos os instantes,
estão sempre dispostos a punir os restantes
e são sempre implacáveis nos seus nem sim
e nem não, ajudando a tornar impunes e
imunes, os responsáveis pelo abandono,
porque se apresentam como donos,
das vibrantes necessidades dos semblantes,
ainda que rompantes,
ainda que distantes,
nem amados e nem amantes,
é por isso, novamente, que
odeio a indiferença,
porque, através dela, o mundo inteiro,
se faz viveiro de engaiolar entôo de vôos,
e ainda mais os odeio, os indiferentes,
porque, indiferentes,
prendem a ávida vida
na beira eira feira freira
que reza
que preza
o altar do império,
sendo por isso que amo
os que tomam partido,
desde que sejam contra,
sem meias palavras,
ao domínio do dominó
do dinheiro,
agora sem sua esfinge,
de fetiches,
agora sem seus relinches
de comprar mais e mais indiferenças,
no mercado das posses dos roubos
de assar cínicos arroubos,
indiferentemente permitidos,
porque através dela, da indiferença,
há roubo de vitalidades,
em cada diferença,
quando, indiferentemente,
damos as costas aos destinos,
os deixando sem tinos,
dos nossos iguais,
comuns mortais,
os tratando,
indiferentemente,
como diferentes,
através, agora sim,
de nosso obsequioso,
silencioso,
medroso,
amor incestuoso,
de amar não os comuns mortais,
mas os comuns iguais,
em genética,
em genealogia,
em analogia,
em espelhos
especulares
de poucos
refletidos reflexos
de amplexos,
aos quais, aos poucos iguais,
diferentemente amamos,
pra mais,
indiferentemente,
desacreditarmos,
na crença,
nunca realista,
dos que tomam partido,
ainda que tido,
ainda que ido,
ainda que doído,
pelos loucos,
que são, sempre diferentemente,
todos aqueles,
ainda que roucos,
ainda que noutros,
outras e outros,
e é por isso que odeio
os indiferentes,
porque, indiferente a tudo,
dor, alegria, fome,
imaginação,
e cólera no abdômen,
dos seres em lascivos desesperos,
contra a ordem do certo e do errado,
contra a ordem das tendências,
das imanências
e das transcendências,
porque indiferente a tudo,
que é luto, vulto, tumulto,
os indiferentes nunca são
indiferentes à ordem contra
o tiro no peito do e no eito,
de tudo que é feito,
ainda que imperfeito,
às margens, sem leito,
porque, indiferente a tudo,
o indiferente nunca é indiferente,
e sempre é partidário,
das imposturas dos impostores,
das farsas dos saqueadores,
e sempre é partidário,
desde antes têm seu partido,
ainda que se apresentem como
otários, inocentes, primários,
desde antes são partidários,
ainda que vítimas íntimas,
são partidários das ínfimas
intimidações,
das máximas corporações:
das nações
das religiões,
das legiões,
de ladrões
das visões
das partidárias,
agora sim,
das várias,
nunca indiferentes,
planetárias,
etárias,
plenárias,
nunca ilhadas,
nunca privilegiadas,
sempre acessíveis,
ainda que impossíveis,
soluções

Comentários

Canto da Boca disse…
Este comentário foi removido pelo autor.
Canto da Boca disse…
Respiro profundo porque é preciso ler mais de duas vezes, é preciso ler ao menos umas três vezes essa "lapada verborrágica" na cara e no coração da gente.

Impossível ficarmos indiferentes ao texto, na dúvida entre uma dose - uma frase - ou o total - toda a garrafa -, opto pela totalidade. É um tratado do descaramento que permeia a pós-modernidade.

Abraço, La Mancha.
lula eurico disse…
Mestre, tenho acompanhado, graças a Val, tuas contundentes palavras no Observatório da Imprensa.
Uma voz flamígena como a tua é necessária nessa indiferente sociedade que se consome.

Abç
Coral disse…
enquanto lia esse poema, a vontade é que ele nunca se acabasse, para que ao se acabar o mundo, ainda estivesse lendo-o

imensamente prazeroso de ler, seu poema
Lou Albergaria disse…
Nossa, que desabafo!!!

Bastante contundente! Gostei!

Obrigada pela visita!

Você é muito simpático!

Tenha uma ótima semana!

Beijo!!!
Ilaine disse…
Luis!Fiquei imaginando você escrevendo este poema... Penso que ele nasce assim, jorrando como água de dentro de você. E é tão sentido, tão marcante, gritante. Ah, poeta.. Beijo!
Saudade,
o bom é poder voltar,
abraços..
Poetíssima #
vieira calado disse…
Olá, amigo!

Achei muito bom (e actual) o seu poema interventivo.

A indiferença só interessa

aos poderosos.

Forte abraço

Postagens mais visitadas deste blog

Deus

Deus é puro sexo E tem o gozo do universo Com seu falo vaginado Penetra e é penetrado Pelo cosmológico Devaneio de amplexo Sua transa etérea De buraco negro de verso Suga e transfigura A ilusão de ser matéria Que lubrifica e infla A vida de vidas O infinito de finitos As polipresenças De ausências.

UTOPIA

entoar: amar quixotescas armaduras, de cavalharescas andaduras, de ondas de lábios ávidos de mar, celas cósmicas, de lânguidas mangas éticas, pitangas de árvores de flores de copas, de frondes continentais de amores, sem ilhas de tédios de horrores, ou gols de tiros de mortes, de chutar chuvas de balas de alas, de narcísicos consumos de humos, doces idólatras idiotas, a chupar, a saliva de acusar, pra roubar e pra matar, quando o que é torta, quando a porta da janela que importa, é a de criar o atar as traves aves de retângulo de céus de paraísos de relâmpagos, de infernais mananciais, de invernais verões de rebeliões, por comemorar a cerimônia de vôos de chamas de larvas, de celestiais terrenais viscerais, a festejar pilhas de elétricas usinas, de vitais vitrais campos, sem rivais, a coletivizar os subterrâneos lençóis de águas de sóis, de sedes de redes de girassóis, abertos horizontes cobertos por suores de louvores, nos corpos a corpos, brindes de convites, a desarmar as armas ...
dinheiro antes era pão e circo e o cacete como pão que bate na arte de matar, cão que late, no bode expiatório, a guilhotina no pescoço da soberana plebeica praça hoje é urânio empobrecido fósforo branco e círculo midiático onde tudo é arte que arde, ardil funil fuzil de ícones de artilharias nas edições de armas satelitais contra a praça súdita garras amarras virtuais na Terra carcerária, pois agora a ágora é o planeta campo de concentração planeta palestina, território sem povo e povo sem território, onde bomba é tudo, em tempo irreal, supõe-se, supositório de lunáticas radioativas partículas de envoltórios zumbíticos vivos incendiados incendiários, planeta guilhotinado, enforcado,desmembrado, sacrificiado nos vários seres mortuários, viciados, por plutônicas ontológicas cosmológicas inspeções galácticas de drones drops fotoativos, putativos, objetos mostruários no dentifrício no corpo cabeça sexo estomagado esmagado emparedado avacalhado suicid...